"Árabes e russos compram hoje clubes de futebol devido às alterações climáticas de há 300 milhões de anos" (2024)

Entrevista a Peter Frankopan

06 ago, 2024 - 21:35 • José Pedro Frazão

Para Peter Frankopan, professor de História Global na Universidade de Oxford, a maior parte da experiência humana é sobre o fracasso e há lições da História que persistem em não ser aprendidas. É o caso de muitas mudanças no clima ao longo da história da Humanidade, que servem de mote ao seu livro "A História do Mundo - Do Big Bang Até Aos Dias de Hoje". Em entrevista à Renascença, Frankopan defende que a negociação constante do "envelope histórico-ambiental" é o tema dominante da História humana.

É certo que o mundo está cada vez mais quente mas o historiador Peter Frankopan assinala que outras gerações já passaram por desafios climáticos de grande magnitude no passado. Em entrevista à Renascença, registada recentemente em Lisboa, o autor que escreveu "A História do Mundo" com o foco nas relações entre os humanos, a ciência e o ambiente, assegura que desde sempre que os humanos têm estado preocupados com as fronteiras ecológicas do planeta.

No seu livro, conclui que muitas alterações do clima foram a força motriz para muitas mudanças ao longo da história da humanidade. Apesar de algum catastrofismo em relação ao futuro, parece que a história foi sempre assim, pelo que nos conta nesta obra. Afinal o que há de novo aqui?

A má notícia é que, quando há alterações climáticas, ocorrem eventos de extinção de pessoas ou animais. Assim, durante a maior parte da história do mundo, antes dos humanos chegarem a este planeta, a nossa própria vida não teria sido sustentável. Durante a primeira metade da sua existência, a Terra não teve oxigénio suficiente para os humanos. O que se aprende em história, biologia, geologia e ciências é que todos somos animais e que se o ecossistema mudar, temos de nos adaptar, através da evolução, ou morremos. E nós, humanos, só nos reproduzimos aproximadamente a cada 25 anos como uma geração. São necessários milhões de anos para evoluir, para sermos capazes de lidar com a realidade.

Por isso, quando estamos aqui hoje a falar em Lisboa, vivemos na temperatura global mais quente que tivemos em 125 mil anos. Temos as maiores concentrações de dióxido de carbono na atmosfera em pelo menos 2 milhões de anos. Portanto, nenhum humano viveu nas condições que temos hoje a nível global.

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Veja as coisas que estão a acontecer no mundo: a temperatura do oceano no ano passado na costa da Flórida foi de 38 graus centígrados, o que é o mesmo que a de uma banheira de hidromassagem. No Mediterrâneo, no verão passado, a temperatura da água esteve em torno dos 28 graus centígrados, 4 graus mais quente do que o normal. Na Índia tivemos este ano temperaturas acima dos 50 graus centígrados.

Estas mudanças significam que alterar isto não é tão simples como se imagina. Representam ameaças existenciais a tal ponto que devemos pensar não só na forma como nos podemos arrefecer, mas também no que isso significa para o abastecimento alimentar, para a água, para os solos e para outros animais. Um mundo em aquecimento é muito mau para os humanos, mas é ótimo para doenças infeciosas emergentes. É ótimo para os mosquitos e para muitos animais diferentes. Acontece que é muito mau para nós.

As sociedades do passado já lidaram com isso antes. O que é que elas fizeram?

Reagiram muitas vezes de forma muito má. As principais mudanças nas dinastias imperiais chinesas e nas revoluções tiveram a ver exatamente com esta combinação de condições climáticas extremas, muitas vezes com tempestades muito fortes, que frequentemente se correlacionam com a capacidade das infecções se infiltrarem nos sistemas de água ou ainda com as secas e a escassez de alimentos. As pessoas ficam esfomeadas, depois ficam zangadas e resolvem o problema com as próprias mãos. E assim podem acontecer rebeliões.

A Revolução Francesa não foi apenas sobre pessoas a marchar de Marselha a dizer que queriam igualdade. A razão pela qual as pessoas começaram a marchar para Paris foi porque o fornecimento de colheitas falhou em 1788. Assim, os custos do trigo e o vinho tiveram um aumento enorme e isso significou que as pessoas não podiam comer. Por isso, o Rei de França pediu às pessoas que anotassem as suas queixas, 'digam-me o que está errado e eu resolvo o problema'. Recebeu 25 mil cartas no espaço de poucas semanas. E depois as coisas pioraram. Com muita frequência, as pessoas e as sociedades aceitam isso muito mal.

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Suponho que se lembre da história da Bíblia em que José aconselhava o Faraó, apelando a que nos sete anos em que tivesse bastante, se certificasse que tinha comida de lado, pois haveria um longo período de escassez. O Faraó respondia que mais ninguém lhe dizia isso. E quando chegou aos sete anos de escassez, o Faraó libertou então José e os seus irmãos, dizendo que ele tinha sido o único que lhe disse que precisava de se preparar para as consequências da mudança. Esta é uma história ecológica, ambiental e climática.

A força motriz é mais o alimento do que as doenças?

É tudo. Quando se deixa de comer ou quando se ingerem menos calorias, o sistema imunitário torna-se mais suscetível a doenças. Mas alguns dos grandes eventos de mortalidade que tivemos na história, como a Peste Negra - que provavelmente matou 45% da população da Europa no espaço de alguns anos - ocorrem com razoável regularidade. A mortalidade em massa tem, por vezes, consequências estranhas. Os antepassados de todas as pessoas que estão nesta sala em Lisboa sobreviveram à Peste Negra, caso contrário não estaríamos aqui. Quem sobreviveu ficou tão satisfeito por ter superado estas doenças pandémicas que começou a viver de formas diferentes. Não poupavam para amanhã porque a doença podia voltar. Foram divertir-se, a própria moda mudou.

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Devido à morte de muitas pessoas, o preço da carne baixou e as pessoas ficaram mais saudáveis porque comeram mais proteínas. Quando se ingere mais proteína em criança, isso ajuda no desenvolvimento do cérebro, levando a melhorias cognitivas e a pessoas mais inteligentes. Por isso há muitas maneiras pelas quais os desastres podem, por vezes, conter uma réstia de esperança.

O clima impulsionou reais revoluções?

Absolutamente. Por vezes, na História, pensamos sobre as coisas que correm mal. Isso é compreensível. Mas também repare nos locais onde as coisas correram bem. Houve impérios como a Roma Oriental ou Império Bizantino, que sobreviveu durante 1000 anos e foi capaz de navegar por todos os tipos de choques, de convulsões sociais, instabilidades, infelicidades, problemas económicos mas também climáticos e pandémicos. Esta é uma lição muito boa quando pensamos quais as instituições de que necessitamos, quais os sistemas de alerta precoce, como se detetam os problemas e como se reage a estes.

Na verdade, todos aprendemos nos últimos quatro ou cinco anos que as respostas à pandemia em locais como Milão e Veneza foram melhores há 500 anos do que em Lisboa, Londres ou Nova Iorque em 2020. Esta é uma resposta muito fácil para a pergunta sobre se aprendemos com a história. A resposta é, absolutamente, não. Mas há a resiliência num mundo em mudança, com muitas revoluções que estamos a viver, das quais hoje o clima e o ambiente são uma só coisa. Vemos muitos destes outros desafios a chegar também até nós, das tecnologias aos gastos crescentes com defesa e militares, da mudança do poder económico e global em diferentes direções - mas longe da Europa - à migração em grande escala.

Quando enfrentamos estes grandes problemas ou desafios, não devemos tentar pensar em nós como a primeira geração que alguma vez os enfrentou, porque a história mostra que muitas vezes estas questões foram colocadas e algumas sociedades foram muito melhores a responder-lhes do que outras.

Hoje falamos muito sobre refugiados climáticos e do fluxo migratório, com pessoas a fugir do calor ou da fome. Pode dar-nos exemplos destes situações no passado?

Posso dar-lhe dois exemplos. Quando há problemas, a maioria das pessoas tenta ficar parada e sobreviver onde estão. Em locais como Bengala, no nordeste da Índia, houve várias ocasiões em que houve mortalidade na casa dos milhões. Em alguns casos, foram muitos milhões no final do século XVII. A fome em Bengala matou provavelmente 20 milhões de pessoas, possivelmente ainda mais porque as pessoas não saíram de casa. A migração em massa sob pressão é difícil de observar porque as pessoas não querem sair do lugar de onde vêm. É caro e carece de disponibilidade de alimento.

Por exemplo, antes dos mongóis conquistarem toda a Ásia e depois entrarem na Europa, tiveram uma reação em cadeia de empurrar outras tribos mais para oeste, movendo-se antes que a pressão chegasse. O episódio mais famoso talvez tenha sido a chegada de Átila, o Huno, no século V, à Europa. Ajudou a derrubar o Império Romano e as pessoas que os Hunos afastaram à sua frente, tiveram que encontrar água num mundo quente e seco. Significava que ou atacariam ou seriam atacados.

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Essa é também a história da escravatura. Em África, por exemplo, diferentes comunidades tiveram de fazer uma escolha: ou se tornavam escravos ou escravizavam outros povos. Estas tensões e pressões fazem com que as pessoas reajam e se comportem de formas assustadoras, mas também bastante lógicas. Se se está muito pressionado, precisa de se salvar, e isso, por vezes, significa infligir castigo e dor a outras pessoas.

Falemos um pouco sobre correlação e causa. No seu livro sustenta uma correlação entre perseguição de judeus e a diminuição da temperatura. Pode explicar?

No mundo pré-industrial, quase todas as economias assentavam na produção agrária. Se houver alterações nas temperaturas globais, sejam elas mais altas ou mais baixas, isso afetará o rendimento das culturas e estas mudanças relativamente modestas poderão afetar a quantidade que produz a partir do solo. Depois, quando se tem padrões climáticos de longo alcance ou eventos únicos como erupções vulcânicas ou acontecimentos que desestabilizam as épocas de cultivo, há alterações na fotossíntese, com menos para distribuir e os preços sobem. E muitas vezes quando isto acontece, as pessoas que têm alimentos acumulam-nos para aumentar ainda mais o preço e tornam-se especuladores. E quando isso acontece, muitas vezes as pessoas procuram culpados. E as primeiras pessoas a quem são atribuídas culpas são sempre as minorias.

Assim aconteceu por exemplo com os judeus na Alemanha nos séculos XV e XVI, quando houve problemas de colheita. Na Pequena Idade do Gelo, com condições muito mais frias do que o normal, culparam as mulheres, acusadas de serem bruxas e de que estarem, de alguma forma, envolvidas na mudança das temperaturas que tornavam as colheitas mais caras e com menores fornecimentos. Dezenas de milhares de mulheres foram queimadas vivas como castigo por coisas com as quais obviamente não tinham nada a ver. Assim, quando há escassez de qualquer tipo, tende-se sempre a culpar as pessoas que parecem diferentes ou que rezam de uma forma diferente, que falam um idioma diferente, ou que sejam mulheres. E isso tem a ver em parte com o controlo sobre o poder.

Temos de ter muito cuidado com as correlações e mapeá-las entre si. Quanto mais dados tivermos, melhor. Mas neste estudo específico que menciona, foram necessários mais de 800 anos com milhares de pontos de dados que mostram que alterações muito pequenas nas épocas de cultivo e nas culturas aumentaram significativamente a probabilidade de ataques violentos contra minorias, neste caso, contra judeus em toda a Europa.

Quando comecei a trabalhar sobre alterações climáticas, há 20 anos, um grande tema era a presença dos chamados céticos. Hoje há um consenso estabelecido sobre o impacto da atividade humana. Mas também sabemos que existem períodos cíclicos de alterações climáticas naturais. Ainda é possível que estejamos num desses ciclos naturais?

Não há dúvida que existem ciclos naturais. E não creio que nenhum cientista sério discorde disso. O problema é que estes ciclos naturais podem ser amplificados. E não é preciso muito para compreendermos que a forma como vivemos não é sustentável. Aliás, não se trata apenas de aquecimento, mas também a água, a maneira como esgotamos todos os nossos metais e todos os outros recursos da Terra.

Neste momento estamos a acelerar algumas dessas mudanças. Os sistemas climáticos globais são muito complicados e estão interligados. Existem muitos impulsos diferentes que envolvem o comportamento do Sol, dos sistemas naturais, das Oscilações do Atlântico Norte, do El Niño e La Niña. O que estamos a fazer é aumentar a intensidade e a regularidade dos acontecimentos. E não é difícil ilustrar isso.

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Por exemplo, desde o ano em que nasci, em 1971, os oceanos absorveram calor equivalente a 25 mil milhões de bombas de Hiroshima. E isso obviamente muda a distribuição química da água, os sistemas dentro dos níveis de água para todos os animais e plantas. Isto é causado pela forma como queimamos combustíveis fósseis, mas também por causa das partículas que vêm dos pneus, o que significa que agora encontramos microplásticos em cada metro cúbico de água no Oceano Ártico, muito longe de Lisboa ou de Nova Iorque e Londres. Temos 40 partículas microplásticas por cada metro cúbico de água devido à forma como vivemos. No Reino Unido, todas as semanas colocamos 9 biliões de partículas de microplásticos na água devido aos ciclos das máquinas de lavar roupa e à utilização de produtos sintéticos.

Sejam quais forem as suas opiniões sobre o mundo que nos rodeia, quando começamos a poluir a esse nível, começamos a mudar a forma como vivemos. Sabemos que agora encontramos microplásticos na placenta, no sangue dos recém-nascidos em todas as crianças nascidas em Portugal.

Não é difícil perceber que se poluir o seu ambiente, as coisas mudam. Escrevo no meu livro sobre estudiosos que escreveram isto há 4000 anos, dizendo que não se deve urinar no rio e devemos saber o que fazer com os dejetos humanos, porque se os depositarmos nos rios, podem criar infeções, destruir e alterar ecossistemas e causar colapso no abastecimento de água e alimentos.

Ninguém hoje pensa que as alterações climáticas não estão a acontecer de forma antropogénica. A resistência que estamos a observar, particularmente na extrema-direita, sustenta que as transições não se conseguem pagar. Mas, tal como na pandemia, precisamos de nos preparar para os problemas. Pode ser caro, mas é muito mais caro se tiver de resolver problemas rapidamente. Portanto, os preparativos a longo prazo que nós deveríamos estar a fazer agora é um investimento para estarmos prontos para quando surgem problemas.

O seu livro centra-se largamente nos efeitos observados de região para região. As métricas referem-se geralmente à temperatura média global. Devíamos ter outras métricas? A história diz-nos que temos abordagens, respostas e impactos realmente diferentes em cada região.

Infelizmente, tal como no casino ou no loto, os números de cada pessoa e os cartões que têm são diferentes, na verdade, não apenas de país para país, mas de região para região. Alguns lugares são beneficiários de um mundo em mudança, mas outros estarão altamente pressionados. O ponto da sua pergunta é que ter uma métrica é muito bom, mas não muda a realidade. É um pouco como os historiadores que discutem quando começa a Idade Média e quando termina o período medieval. Não é mau criar categorias, mas, na verdade, a acção e a política são muito mais valiosas e importantes.

Aqui em Portugal, onde grande parte do abastecimento de água vem de Espanha, é preciso pensar o que acontece com outras épocas de incêndios florestais ou o que acontece quando há um estado de emergência na Catalunha nos últimos sete ou oito meses por causa da escassez de água em Barcelona. Há que saber o que acontece aos vizinhos e com quem acha que se vai sempre colaborar, o que remonta a um mundo muito mais familiar às pessoas que viveram em Portugal há centenas de anos, que é a chegada de Espanha.

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Estas coisas mostram que podemos preocupar-nos em como colocar uma métrica. Mas, no geral, se viver nos hemisférios norte ou mais a norte, o mundo em aquecimento ainda o irá afetar, mas são os trópicos que primeiro se tornam lugares quentes, logo impróprios ou perigosos para a vida humana. Recentemente as escolas nas Filipinas foram fechadas por causa do risco de vida de estar ao ar livre. Quando se está acima dos 40 graus, é realmente perigoso. E grande parte do mundo em desenvolvimento não tem o luxo de ter ar condicionado ou disponibilidade de água. Portanto, quando as coisas correm mal noutros lugares, precisamos de descobrir como trabalhamos como comunidade global para evitar crises humanitárias.

O seu livro mostra que a adaptação faz parte da história da humanidade. Fala sobre como o 'hom*o Sapiens' se adaptou melhor à situação climática do que o 'Homem de Neanderthal'. Isso é bom sinal?

Sim, e não apenas para adaptar-se. Precisamos de inovar, a necessidade é a mãe da invenção. Em universidades como a minha, o nosso trabalho é encontrar grandes problemas e resolve-los. Já estamos a utilizar no meio académico formas de pensar em novas invenções, em como otimizar, como utilizar a água, como por exemplo podemos utilizar a micro dosagem em plantas para termos muito mais cuidado com a forma como usamos recursos hídricos e fertilizantes.

Estas coisas estão a acontecer muito rapidamente. Há um projeto neste momento sobre o qual escrevo no meu livro sobre como a Google, a Deep Mind e a American Airlines estão a trabalhar em como otimizar as rotas de voo, porque depende muito do avião, da hora do dia, do quão escuro está, sobre quais são as temperaturas, que percurso seguem. Se tiver pequenas modificações em cerca de 2% das rotas de voo, causará grandes mudanças nas emissões globais dos voos.

Mas quando dás dois passos em frente, por vezes também dás um passo atrás. Assim, hoje, por exemplo, a tecnologia da 'nuvem' produz mais calor e utiliza mais água do que a indústria aérea. Não conseguimos ver a 'nuvem', não pensamos nisso e o facto de lhe chamarmos 'nuvem' ambientalmente é bastante interessante porque a coloquemos no céu. Mas os servidores onde guardamos todos os nossos dados requerem enormes quantidades de energia e grandes quantidades de água para os arrefecer.

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Há muita reflexão sobre como melhorar estas coisas e utilizar os nossos materiais mais rapidamente. Tenho um colega em Cambridge a trabalhar em grandes melhorias na vida das baterias. Vimos recentemente que uma empresa automóvel chinesa anunciou que produzia veículos elétricos com uma autonomia de quase 2.000 quilómetros. Esta é uma grande mudança para quando este tipo de tecnologia estiver disponível a preços mais baixos. Os preços das baterias estão hoje 90% mais baixos do que eram há 15 anos. Portanto, há muitas razões para sermos otimistas. Mas suponho que me sinto como um bombeiro à porta de um edifício em chamas a dizer: 'não se preocupe, temos muitas mangueiras que vêm com água para apagar o fogo'.

Para um historiador como eu, a primeira questão é como é que chegámos a 2024 com tantos indicadores negativos. Chegámos ao ponto em que consumimos tanto e vivemos de forma muito insensata.

Quando é que a humanidade começou a preocupar-se com os limites ecológicos?

As migrações de África, de onde vieram os nossos ancestrais, não eram sobre pessoas a tentar explorar com coragem, mas a tentar encontrar locais melhores onde pudessem sobreviver. A maioria parte das pessoas que deixaram África falharam. A maior parte da experiência humana é sobre fracasso. São sobre colónias que não funcionaram ou pessoas que morreram de fome ou de frio. Os humanos estão preocupados com isso há milénios.

Na verdade, os primeiros sinais são sobre arte e a cooperação humanas e trata-se de tentar usar formas para podermos resolver problemas em conjunto para sobreviver. A forma como os humanos foram caçar em grupo, as ferramentas que fabricaram, a forma como temos os primeiros sinais da arte humana, há cerca de 80 mil anos, tentando explicar as coisas que viam no céu, mostra que os humanos têm estado muito preocupados com estas fronteiras ecológicas.

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Pensamos que foi apenas recentemente que os humanos se 'iluminaram' e chamamos-lhe Iluminismo e a era da inovação científica, mas isso relega todas as pessoas que vieram antes de nós, rejeitando-as como sendo estúpidas e tolas. No passado, todos tentaram descobrir o que precisavam para sobreviver, como cooperar, como ser resilientes e como trabalhar em conjunto. Quer dizer, houve guerras pela água, sobre as quais escrevi, na Mesopotâmia que duraram 150 anos, há 4,5 mil anos. O controlo sobre o abastecimento de água, sobre a mão-de-obra e sobre os recursos fazem parte da nossa história humana. Esta é uma das razões pelas quais as pessoas construíram cidades, para encontrar melhores formas, não apenas de cooperar, mas de viver de formas mais otimizadas.

Não começámos a pensar nisso há duzentos ou trezentos anos. Na verdade, pelo contrário, há 200 anos, estas inovações conduziram-nos à Revolução Industrial que nos mostrou o carvão com o qual podíamos ser muito, muito mais eficientes. Poderíamos chegar a lugares mais rápido e mais barato do que nunca. Não precisávamos de depender de cavalos. Podíamos ter navios a vapor e comboios que iam de A para B. E muitas destas coisas introduzidas significaram uma grande democratização, porque a capacidade de nos movermos não era apenas algo para as elites. Foram os tais dois passos em frente que depois criaram problemas. Queimar todo este carvão traz um problema, mas este processo de negociação constante do nosso envelope histórico ambiental é o tema dominante e mais importante da história.

Algumas questões finais. Fala muito da relação com o divino. Como é que isso mudou esta abordagem do sistema ecológico?

Pensamos que vivemos num mundo pós-religioso, que a religião é sempre uma questão de cinismo e exploração, mas os intercessores que tentavam explicar porque é que havia tempestades, inundações, relâmpagos ou eclipses não eram apenas pessoas a prometer que compreendiam o que Deus ou os deuses queriam. A ciência que se fazia em locais como o Iraque há 4 mil ou 5 mil anos era mais avançada do que a maioria das pessoas normais pensa. Tente interpelar uma pessoa na rua aqui em Lisboa e pergunte-lhe se sabe dizer quando será o próximo eclipse ou onde está Vénus no céu e, a não ser que se depare com um professor de astrofísica, ninguém lhe consegue dizer isso. Mas ainda assim as pessoas calculavam isso na sociedade há milhares de anos.

As religiões surgiram como parte de uma forma de tentar explicar o mundo que nos rodeia. Não apenas o ambiente e o clima, mas porque é que, por vezes, acontecem coisas más a pessoas boas e coisas boas acontecem a pessoas más, porque devemos viver bem e devemos cuidar do próximo. O Cristianismo é belo porque dá prioridade aos pobres. Diz que nos devemos proteger e honrar uns aos outros e viver de formas que sejam respeitosas. Encontramos este tipo de formas de tentar resolver problemas em quase todas as religiões. Nascem como uma tentativa de explicar o mundo que nos rodeia e o mundo natural é uma parte muito importante em toda a nossa religião.

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Veja, no Hinduísmo, as intercessões com as divindades hindus para que as chuvas cheguem e as monções cheguem. Tem poemas e canções que são gloriosos, explicando a emoção e a alegria com que viram a Terra voltar à vida quando as chuvas chegaram. Quando pensamos no Budismo hoje, não é ao estilo de Hollywood, onde as pessoas apenas cantam e tornam-se uma pessoa melhor. Nos ensinamentos iniciais budistas, nada neste mundo existe. Tudo morre, por isso deve estar preparado para a reencarnação cíclica. A vida não é fazer algumas orações e depois ir surfar. Trata-se de reconhecer a decadência e reconhecer a profunda tristeza e morte da vida que nos rodeia.

Todas estas ideias estão altamente comprometidas com o ambiente, mas em muitos destes casos, os sacerdotes e por vezes as sacerdotisas adquirem riqueza para construir templos que permitem às pessoas fazerem oferendas para tentar fazer intercessões para terem colheitas melhores ou chuvas mais ou menos intensas dependendo do local onde vivem. Os textos religiosos que cresceram em torno disto construíram formas pelas quais os poderes da Igreja se tornaram uma forma de o Rei ou os governantes fazerem cumprir a autoridade, através de rituais sagrados complexos. Por exemplo, no hinduísmo, há questões incrivelmente difíceis de entender nas diferentes manifestações das divindades.

E, mais uma vez, o Cristianismo e, eventualmente o Islão, são muito simples nos seus ensinamentos básicos porque foram concebidos para encorajar mais pessoas a aderir. A religião é uma parte importante das estruturas de poder no mundo secular e, suponho que em alguns aspectos, nas desigualdades, mas também nas formas de tentar libertar as mentes das pessoas e de tentar impeli-las a viver de formas que sejam morais.

Suponho que não seja surpreendente que os nossos eco-activistas de hoje, aos meus olhos, pareçam uma 'religião' moderna onde são prometidas as mesmas histórias do apocalipse, e as mesmas expressões do motivo pelo qual estamos a enfrentar a extinção, são porque as pessoas são estúpidas, egoístas e gastam demasiado. Dizem que a culpa é dos ricos e que devíamos olhar para os pobres e para as pessoas que são menos responsáveis pelo clima.

É a mesma coisa outra vez?

Bem, é reconhecível e, sabe, não sou antipático para com o resultado, mas, enquanto historiador, é-me muito familiar. Na verdade, até com o facto de termos 'santos vivos', pessoas como Greta Thunberg, pois o cristianismo primitivo foi fortemente difundido e promovido pelas mulheres. Ou no Islão com o papel de Fátima. Ou no Antigo Testamento e no Judaísmo, o papel da mulher desde Eva, Rute e muitas mais, com grande significado. Mesmo nas formas como reagimos ao mundo que nos rodeia, parece-me, como historiador, que existe um quadro remoto e que nos diz algo muito profundo sobre o passado.

No livro questiona-se sobre por que razão os portugueses não ficaram em África e acabaram por cruzar o Atlântico. Qual foi para si a questão principal nas opções dos portugueses?

Portugal não foi capaz de estabelecer território em grandes partes da África Ocidental pelo menos até cerca de 1800. Depois tornou-se diferente. Portugal colonizou a Madeira e os Açores inicialmente como forma de produzir açúcar, uma cultura de alto valor que se podia vender por muito dinheiro. A desvantagem disso era a ligação a uma higiene dentária deficiente. Produziu a forma como priorizamos o açúcar como parte da nossa dieta, o que é uma má escolha, porque queremos consumir calorias, coisas que aumentam e diminuem o açúcar no sangue.

Quando Portugal começou a construir o seu complexo de plantações, particularmente no Brasil, indo para oeste, a mudança passou para a produção de açúcar em massa, o que era uma colheita terrível para ser refinada. É realmente uma reviravolta, pelas descrições dos portugueses sobre o que estava envolvido nas fornalhas em chamas. Não era muito ecológico, mas, pior do que isso, era preciso mão-de-obra para que isto aconteça. E os portugueses, quer trazendo escravos da África Ocidental, quer tratando os povos indígenas num tipo de apartheid, ajudaram a escrever uma história de excepcionalismo europeu em que pensávamos na Europa que éramos melhores e mais inteligentes do que qualquer outra pessoa neste assunto no planeta.

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E é isso que traz hoje um legado que requer, penso eu, um pouco de reflexão. Não só por causa das igualdades de outras partes do mundo e dos legados do que os europeus fizeram, mas também, à medida que vemos o mundo começar a mudar, começamos a questionar-nos como estamos agora numa posição em que as pessoas vêm para locais como Lisboa e aqui compram propriedades e imóveis, adquirem fábricas e bancos, compram sistemas de água e privatizam serviços básicos.

Muitos clubes de futebol do meu país são propriedade da Arábia Saudita e de Abu Dhabi. E quando as pessoas dizem que é o mundo em mudança, como é que pensa que se sentiram no Sri Lanka quando os portugueses chegaram e compraram isto ou tiraram aquilo? É assim que se parece o 'mundo em mudança'.

O clima está ligado também ao futebol?

A razão pela qual a Arábia Saudita ou o Abu Dhabi puderam comprar o Manchester City ou o Newcastle United ou pela qual a minha equipa, o Chelsea, foi comprada por um russo são as alterações climáticas que aconteceram há 300 milhões de anos. O primeiro período Carbonífero produziu as bacias de hidrocarbonetos que contêm petróleo e gás, o que permite à Arábia Saudita comprar estes clubes ou produzir a riqueza que lhes permite comprá-los.

Na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes Unidos vive-se numa riqueza extraordinária devido à procura global de combustíveis fósseis e provavelmente estão a pensar em diversificação. É exatamente isso que está a acontecer. Por exemplo, os Emirados Árabes Unidos são hoje o maior investidor em África, maior que Portugal, a União Europeia, os EUA ou a China.

Independentemente do que pensamos, estados como os Emirados Árabes Unidos estão a tentar pensar o que significa menos combustível fóssil para os seus próprios investimentos e como podem fazer parte da transição renovável. Por isso prestam muita atenção à produção de metal e à disponibilidade de cobalto e entre outras matérias.

Esta é uma constante no mundo e o mundo é uma história constante de mudança. Há 150 anos, ninguém se preocupava com o petróleo porque não o podíamos utilizar e explorar de uma forma significativa. No mundo de hoje e de amanhã, coisas como o cobre, o lítio e também como trigo e arroz e a disponibilidade de alimentos e água são as matérias que realmente vão importar. Perceber como ter acesso a estas matérias irá moldar quais as sociedades que terão um bom ou mau desempenho no futuro.

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